Associação Americana de Urologia inclui a terapia focal como uma alternativa no tratamento do câncer de próstata

Ultrassom, Urologia
Tempo de leitura: 8 minutos

Associação Americana de Urologia (AUA) atualiza o “Guideline” e inclui a terapia focal como uma alternativa no tratamento primário do câncer de próstata.

A terapia focal (TF) do câncer de próstata tem sido motivo de muitos debates, apesar de ser realizada há muitos anos na Europa e nos Estados Unidos, a técnica vem ganhando cada mais espaço nos últimos três anos.
Para explicar melhor o papel da terapia focal no câncer de próstata, convidamos o Prof. Dr. Ariê Carneiro que atua como coordenador do programa de terapia focal e da pós-graduação em cirurgia robótica do Hospital Israelita Albert Einstein e é considerado uma das maiores referências do mundo na Terapia focal com HIFU (“High Intensity Focused Ultrasound”). Além de possuir publicações relevantes na área, ele foi responsável por auxiliar na implementação do programa, treinamento das equipes e execução dos primeiros tratamentos nas universidades de Irvine Califórnia (EUA), Chicago (EUA), Miami (EUA) e mais recentemente na Universidade de Harvard (EUA).

Strattner: O que pode representar na prática clínica do urologista este novo posicionamento da AUA?

Dr Ariê: A AUA não atualizava o “guideline” de câncer de próstata localizado desde 2017. Durante estes anos muitos estudos demonstram consistência nos resultados em relação a segurança e eficácia da terapia focal. Dados mais recentes, utilizando os equipamentos mais modernos, têm mostrado resultados animadores no cenário do tratamento primário para casos selecionados de câncer de próstata.

Nos últimos anos, desde a aprovação pelo FDA do equipamento de HIFU Focal One® em 2018, temos observado um grande aumento da utilização da TF nos principais centros oncológicos dos EUA. Importante destacar, que as seguradoras já pagam pelos procedimentos nos EUA e, certamente, com esta nova recomendação, iremos observar um grande aumento de pacientes tratados com a TF nos Estados Unidos. Nós brasileiros temos o costume de “consumir” muito as práticas e costumes dos americanos e acredito que, em breve, vivenciaremos este mesmo movimento aqui no Brasil.

Strattner: Poderia explicar para nós, de maneira bem simplista, como funciona a terapia focal?

Dr. Ariê: A terapia focal consiste no tratamento apenas da região da próstata acometida pela neoplasia, preservando o tecido sadio. Os principais objetivos com este tratamento são: evitar ou retardar a terapia radical, alcançar uma maior taxa de preservação funcional e permitir um retorno mais precoce dos pacientes às atividades habituais.

Importante destacar que esta terapia pode ser realizada através de diferentes técnicas e diferentes energias e, com isso, possuir diferente perfil de toxicidade e acurácia a depender da tecnologia utilizada.
Atualmente, equipamentos mais sofisticados têm sido desenvolvidos conferindo maior precisão e, com isso, melhor taxa de sucesso e maior segurança aos pacientes.
Os equipamentos de última geração possuem controle robótico, controle de imagem em tempo real e microfocos conferindo maior precisão ao tratamento e possuem sensor de movimento do paciente e controle de temperatura do reto conferindo maior segurança ao tratamento.

Strattner: Como é realizado o HIFU e quais os principais benefícios para o paciente?

Dr. Ariê: A terapia focal com HIFU Focal One® é realizada através de um ultrassom transretal que emite ondas de som de alta intensidade que se concentram em um ponto focal elevando a temperatura local e, com isso, “mantando” as células tumorais. Para este tratamento não é necessário cortes ou punções e não possui radiação. De forma geral é realizado em apenas uma sessão.

A precisão do equipamento é de aproximadamente de 1,2 a 2 mm e, com isso, é possível garantir a preservação do esfíncter urinário e as bandas neuro vasculares na grande maioria dos casos, possibilitando uma maior taxa de preservação funcional do paciente.
Em nossa casuística, dados recém apresentados no congresso da EAU (European Association of Urology) meeting 2022, em pacientes bem selecionados conseguimos manter a continência e potência na imensa maioria dos pacientes. Além disso, trata-se de um tratamento ambulatorial e o paciente recebe alta no mesmo dia e possibilita um retorno precoce às atividades habituais. Até o momento, em nosso estudo, não vivenciamos nenhuma complicação severa deste tratamento.

Strattner: Quais indicações e limitações da terapia focal?

Dr. Ariê: Importante destacar que a TF não substitui as terapias clássicas (vigilância ativa, prostatectomia e radioterapia). Ao meu entender, é uma técnica com muitas limitações e pode ser oferecida apenas para poucos casos muito bem selecionados. Hoje atuo como proctor em cirurgia robótica e acredito que a cirurgia, quando bem realizada possui ótimos resultados e é mais versátil.
A TF deve ser oferecida aos pacientes apenas como uma alternativa intermediária para casos bem selecionados de pacientes, com doença unilateral e inicial, que possuam alguma restrição para realização do tratamento de primeira linha.
Atualmente, a indicação como primeira linha de tratamento se restringe à pacientes com recorrência após radioterapia. Esta indicação já está bem estabelecida e é recomendada nos principais “guidelines”, como o da NCCN por exemplo. Atualmente, TF é mais comumente aplicada para tratamento primário em pacientes com doença ISUP 2 unilateral.
Devemos destacar algumas limitações importantes do método, como atua somente na parte da glândula prostática acometida pela neoplasia, o tecido preservado deve ser mantido em vigilância pois há risco de recorrência tanto no lobo tratado como no lobo contralateral e necessitar tratamento de resgate.
Para todos os pacientes submetidos a terapia focal mantemos um seguimento de PSA trimestral no primeiro ano e após semestral até completar 5 anos. Uma nova ressonância e biópsia de próstata deve ser realizada entre 6 à 12 meses do tratamento para assegurar o sucesso oncológico do tratamento.
Em caso de recorrência, o tratamento de resgate pode ser realizado com novo HIFU (se a doença recorreu fora da área tratada previamente) ou com prostatectomia ou com radioterapia, com alta taxa de sucesso oncológico. Devemos lembrar que, qualquer tratamento de resgate possui um grau de dificuldade aumentado e, com isso, piores resultados quando comparados ao tratamento primário.

Strattner: Como o HIFU se enquadra em um centro de oncologia?

Dr. Ariê: Acredito que todo grande centro oncológico deva ter a disposição todas as alternativas possíveis para o tratamento do câncer de próstata. Muitos, no passado, temiam que o HIFU pudesse “competir” com o programa de cirurgia robótica, mas hoje sabemos que isso não ocorre. O HIFU, em geral, é indicado para pacientes não ideais para cirurgia, por exemplo aqueles com múltiplas cirurgias abdominais previas, comorbidades que inviabilizem a cirurgia, pacientes com histórico de prostatectomia suprapúbica, super obesos entre outros, sendo assim, uma alternativa para o urologista tratar antes de encaminhar para radioterapia.
Atualmente, não realizamos ablação de glândula total em pacientes com doença bilateral, pois esta abordagem de tratamento está relacionada a maior toxicidade e piores resultados funcionais. Acreditamos que, neste cenário, a prostatectomia robótica está bem estabelecida e deve ser sempre o tratamento de escolha quando disponível.
Não realizamos também a terapia “super-focal”, que é o tratamento apenas da área acometida pela doença. Acreditamos que não temos, até o momento, tecnologia diagnóstica capaz de identificar com precisão a “borda/limite” da lesão e, com isso, restringir o tratamento a apenas a área do nódulo “visível”.
A técnica mais recomendada, considerando a tecnologia atual, é a hemi-ablação com margem ideal de pelo menos 9mm. Com esta abordagem é possível realizar um tratamento com maior margem oncológica sem prejuízo funcional e sem aumento da morbidade.

Strattner: Apesar de ser utilizado há anos, por que a terapia focal ainda é alvo de tantos debates e controvérsias?

Dr. Ariê: Os dados são muito heterogêneos e difíceis de serem interpretados e, até o momento, não dispomos de nenhum estudo prospectivo e randomizado que possa consolidar esta modalidade como tratamento de primeira linha. Muitos artigos incluem terapia de glândula total e misturam tipos de energia (HIFU, Crio, Eletroporação entre outras) e diferentes tecnologias.

 

FOCAL ONE - HIFU - Ultrassom Focalizado de Alta Intensidade para o tratamento do câncer de próstata

  No entanto, nos últimos anos os dados estão cada vez mais consistentes mostrando que, quando realizado por uma equipe bem treinada, caso bem selecionado e tecnologia adequada, a terapia focal apresenta excelente perfil de segurança e excelente taxa de sucesso oncológico e de preservação funcional. Considerando esses dados, diversos hospitais de grande importância nos EUA já incorporaram a tecnologia desde sua aprovação do FDA em 2018, podemos citar como exemplo: Universidade de Harvard, Cleavland Clinic, Mayo Clinic, Universidade de Chicago, entre outras. E, em 2022, o painel da AUA considerou a realização da terapia focal para casos selecionados de pacientes com ISUP 2 como tratamento primário, o que certamente ajudará no processo de incorporação dos urologistas.

Strattner: Como está a terapia focal no Brasil e quais as perspectivas futuras?

Dr. Ariê: No Brasil, até o momento, este tratamento só pode ser realizado em protocolos de estudo. Nós, no Hospital Albert Einstein, coordenamos um estudo multicêntrico avaliando os resultados nesta técnica. Os resultados têm sido bastante satisfatórios, foram apresentados resultados parciais no congresso da EAU meeting 2022 e, ainda este ano, serão publicados.
Esperamos que, em breve, as instituições brasileiras pertinentes possam rever as diretrizes nacionais para que os pacientes do nosso país também possam se beneficiar desta tecnologia assim como foi feito nos EUA e Europa.
Em nosso, país já dispomos de algumas máquinas Focal One® em grandes centros oncológicos e esperamos que, em breve, possam estar sendo utilizadas em benefício da população e, esperamos que outas máquinas e tecnologias sejam adquiridas em todo o território nacional, para que os brasileiros não precisem mais viajar para França, Chile, Estados Unidos, Canadá, Inglaterra, Alemanha ou outros países para serem tratados com esta tecnologia, países estes nos quais a terapia focal já faz parte do dia a dia dos urologistas.

 

Figura 2: Esquema ilustrativo das etapas do tratamento focal com HIFU FocalONE.

Bibliografia:
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8) Effect of Prior Focal Therapy on Perioperative, Oncologic and Functional Outcomes of Salvage Robotic Assisted Radical Prostatectomy. Nunes-Silva I, Barret E, Srougi V, Baghdadi M, Capogrosso P, Garcia-Barreras S, Kanso S, Tourinho-Barbosa R, Carneiro A, Sanchez-Salas R, Rozet F, Galiano M, Cathelineau X.J Urol. 2017 Nov;198(5):1069-1076. doi: 10.1016/j.juro.2017.05.071. Epub 2017 May 25.PMID: 28551444
9) EAU2022, 37th Annual Meeting Congress. Abstract AM22-0939. Focasl treatment of prostate cancer with High-Intensity Focused Ultrasound (HIFU): oncological, functional and morbidity outcomes of a prospective unicentric series. Carneiro A. et al.

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