A válvula de uretra posterior (VUP) é uma malformação que ocorre durante o desenvolvimento do feto, apresentando-se como uma membrana na uretra, em sua porção próxima à bexiga. Trata-se da causa mais frequente de obstrução uretral em crianças, ocorrendo em 1 a cada 5 mil nascimentos de bebês do sexo masculino. Apesar de sua aparente simplicidade é uma patologia grave, que causa importante obstáculo ao esvaziamento da bexiga e mesmo quando adequadamente tratada pode levar à insuficiência renal crônica.
Acredita-se que a formação da válvula de uretra posterior esteja associada a uma interação de múltiplos genes defeituosos. Existem diversas teorias embriológicas para explicá-la, porém, a mais aceita é de que seja resultado da inserção anormal e persistência dos ductos de Wolff. Para vencer o obstáculo da válvula, a bexiga e os ureteres vão se espessando para ter maior força de contração. Isto provoca pressões muito elevadas dentro da bexiga, com retorno da urina da bexiga para os ureteres (refluxo vesico-ureteral), obstrução e espessamento dos ureteres e alteração no desenvolvimento adequado dos rins. Nas formas mais graves, se os rins forem lesados de forma importante, pode haver uma produção insuficiente de urina, com diminuição do líquido amniótico. Este fato pode levar a um desenvolvimento inadequado dos pulmões e de outros órgãos, com eventual incompatibilidade com a vida.
Diagnóstico da doença:
- Ultrassonografia: A VUP é diagnosticada, na maioria das vezes, antes mesmo do nascimento, através de exame ultrassonográfico do abdome da gestante. A partir da 20ª semana de gestação já é possível observar a presença de alterações do sistema urinário e suas complicações, como bexiga espessada e constantemente cheia, líquido ao redor dos rins. No recém-nascido com suspeita diagnóstica realizada no pré-natal, realiza-se a ultrassonografia logo após o nascimento para confirmação do diagnóstico.
- Uretrocistografia miccional: deve ser realizada tão logo as condições clínicas permitam, pois confirma o diagnóstico. Os achados são de dilatação da uretra prostática, hipertrofia do colo vesical, pouco fluxo distal, bexiga irregular e refluxo vésico-ureteral.
- Cintilografia renal: dinâmica (DTPA), estática (DMSA) e com radiofármacos mistos (MAG3) fornecem informações sobre a excreção renal, filtração glomerular e função de cada rim. São úteis no controle após o tratamento e devem ser iniciadas após a 2ª semana de vida.
- Urografia excretora pode ser realizada após o primeiro mês de vida, se a função renal for normal, embora pouco auxilie na indicação do tratamento.
Imagem de cistografia radiológica, demonstrando as alterações decorrentes da VUP
Nos recém-nascidos, observa-se retenção urinária e massas palpáveis na região dos flancos, febre e infecções do trato urinário. Em crianças maiores, o quadro clínico é de perdas urinárias, ausência de micção, ardência ao urinar, jato fino e interrompido e gotejamento. Podem estar presentes, ainda, infecção urinária, septicemia com anemia e icterícia, prejuízo do crescimento ou perda de peso, desidratação e distúrbios hidroeletrolíticos. Vômitos e diarréia estão relacionados à infecção e/ou insuficiência renal.
Em raras exceções pode ser necessário realizar um procedimento cirúrgico “in utero”, para descompressão da bexiga e dos rins e para garantir a função renal do feto. O procedimento consiste na colocação de um tubo de derivação entre a bexiga e o saco amniótico, que deve permanecer até ao final da gravidez. Em geral, o tratamento cirúrgico é realizado após o nascimento, tão logo haja condições clínicas para tal. Logo que a criança nasce, as primeiras medidas de avaliação clínica devem ser as referentes às funções respiratória e renal. O recomendado é que seja realizado tratamento antibiótico para evitar infecções urinárias e que o neonato seja submetido a exames de imagem para confirmação do diagnóstico.
Com a suspeita de VUP confirmada, após estabilização do paciente e constatação da ausência de infecções, o paciente deverá ser encaminhado para cirurgia. A intervenção cirúrgica em visa preservar a função renal e vesical e minimizar a morbidade.
- Ablação transuretral: método de escolha para o tratamento da obstrução em recém-nascidos. O procedimento é realizado através da passagem de endoscópio (cistoscópio pediátrico) pelo do canal uretral. Não há necessidade de incisões, sendo um procedimento minimamente invasivo. A VUP pode ser destruída com o uso de alças de ressecção ou fibras de LASER. Caso a uretra não tenha calibre suficiente para introdução do aparelho de endoscopia, é necessário aguardar alguns dias.
Imagem 1 - Visão endoscópica da válvula da uretra posterior
- Vesicostomia: acesso cirúrgico realizado através da pele diretamente na bexiga do paciente. Indicada quando da impossibilidade de destruição primária da válvula de uretra posterior, nos casos de infecção, insuficiência renal, ou quando o diâmetro uretral não permite a passagem de instrumentos. Apresenta resultados piores quanto à mortalidade, à preservação de função renal ou às complicações pós-operatórias quando comparadas à técnica endoscópica.
- Derivações supravesicais: (pielostomia cutânea ou ureterostomia) têm sido indicadas com precaução, embora existam relatos sustentando o conceito que esta preservaria a função renal em crianças com obstrução grave. As derivações devem ser retiradas assim que a bexiga recupere a funcionalidade.
Apesar dos avanços no diagnóstico e tratamento cirúrgico da válvula de uretra posterior nas últimas décadas, muitas crianças ainda apresentam insuficiência renal crônica ou doença renal terminal a longo prazo. O grau de alteração dos rins presente ao nascimento é irreversível, e determina o potencial para o crescimento e a função renal. A preservação da função renal depende da conduta imediata para promover o alívio efetivo e precoce da obstrução urinária e da prevenção do dano renal causado pela infecção. Estima-se que a incidência de insuficiência renal seja de 51% nos pacientes aos 20 anos de idade.
Conclusão
A válvula de uretra posterior é uma entidade que deve ser tratada de forma criteriosa e necessita de acompanhamento iniciado precocemente e mantido até a vida adulta. A avaliação inicial apropriada, o tratamento adequado e o seguimento multidisciplinar podem ajudar a evitar ou postergar a necessidade de transplante renal e melhorar a sobrevida do paciente.
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REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
UROLOGIA FUNDAMENTAL. Miguel Zerati Filho, Archimedes Nardozza Júnior, Rodolfo Borges dos Reis. São Paulo: Planmark, 2010. Vários colaboradores.
UROLOGIA MODERNA. Rodolfo Borges dos Reis, Stênio de Cássio Zequi, Miguel Zeratti Filho. São Paulo: Lemar, 2013.
PROTEUS: PALESTRAS E REUNIÕES ORGANIZADAS PARA A PREPARAÇÃO AO TÍTULO DE ESPECIALISTA EM UROLOGIA, SBU. 2ª ed. São Paulo: Planmark; 2017. Vários colaboradores.
Luana | 12/01/2024 às 19:47
Boa noite. Que texto bem esclarecedor. Infelizmente no meu exame morfológico descobri que meu filho tinha Vup e era incompatível com a vida extra uterina. Após o parto ele ficou com a gente 3 horas. 😭 Como ele me faz falta
Eliane | 31/08/2023 às 20:48
Meu marido tem esteneose uretra e os dois rins dele está dilatado ...É grave será?
Aline | 05/10/2022 às 00:02
Olá! Meu filho tem a vup, gostaria de saber se todos os casos tem que fazer a cirurgia de remoção do rim e, se essa doença impedirá ele de ter uma vida normal.
Breno Garcia Cruz de Holanda Cavalcante | 09/11/2021 às 21:45
Texto bastante enriquecedor. Através dele, valorizei ainda mais a importância da USG morfológica de segundo trimestre, que deve ser realizada durante o pré-natal.
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